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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2018

"Chove? Nenhuma Chuva Cai..." - Fernando Pessoa

"Chove? Nenhuma Chuva Cai..." Chove? Nenhuma chuva cai...  Então onde é que eu sinto um dia  Em que ruído da chuva atrai  A minha inútil agonia?  Onde é que chove, que eu o ouço?  Onde é que é triste, ó claro céu?  Eu quero sorrir-te, e não posso,  Ó céu azul, chamar-te meu...  E o escuro ruído da chuva  É constante em meu pensamento.  Meu ser é a invisível curva  Traçada pelo som do vento...  E eis que ante o sol e o azul do dia,  Como se a hora me estorvasse,  Eu sofro... E a luz e a sua alegria  Cai aos meus pés como um disfarce.  Ah, na minha alma sempre chove.  Há sempre escuro dentro de mim.  Se escuro, alguém dentro de mim ouve  A chuva, como a voz de um fim...  Os céus da tua face, e os derradeiros  Tons do poente segredam nas arcadas...  No claustro sequestrando a lucidez  Um espasmo apagado em ódio à ânsia  Põe dias de ilhas vistas do convés  No meu cansaço perdido entre os gelos,  E a cor

"Charneca em Flor" - Florbela Espanca

"Charneca em Flor" Enche o meu peito, num encanto mago,  O frêmito das coisas dolorosas...  Sob as urzes queimadas nascem rosas...  Nos meus olhos as lágrimas apago...  Anseio! Asas abertas! O que trago  Em mim? Eu oiço bocas silenciosas  Murmurar-me as palavras misteriosas  Que perturbam meu ser como um afago!  E nesta febre ansiosa que me invade,  Dispo a minha mortalha, o meu burel,  E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...  Olhos a arder em êxtases de amor,  Boca a saber a sol, a fruto, a mel:  Sou a charneca rude a abrir em flor!  Florbela Espanca, Charneca em Flor

"Nascemos para Amar" - Barbosa du Bocage

"Nascemos para Amar" Nascemos para amar; a Humanidade  Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.  Tu és doce atractivo, ó Formosura,  Que encanta, que seduz, que persuade.  Enleia-se por gosto a liberdade;  E depois que a paixão na alma se apura,  Alguns então lhe chamam desventura,  Chamam-lhe alguns então felicidade.  Qual se abisma nas lôbregas tristezas,  Qual em suaves júbilos discorre,  Com esperanças mil na ideia acesas.  Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:  E, segundo as diversas naturezas,  Um porfia, este esquece, aquele morre.  Barbosa du Bocage, Sonetos

"O Palácio da Ventura" - Antero de Quental

"O Palácio da Ventura" Sonho que sou um cavaleiro andante.  Por desertos, por sóis, por noite escura,  Paladino do amor, busco anelante  O palácio encantado da Ventura!  Mas já desmaio, exausto e vacilante,  Quebrada a espada já, rota a armadura...  E eis que súbito o avisto, fulgurante  Na sua pompa e aérea formosura!  Com grandes golpes bato à porta e brado:  Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...  Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!  Abrem-se as portas d'ouro com fragor...  Mas dentro encontro só, cheio de dor,  Silêncio e escuridão - e nada mais!  Antero de Quental, Sonetos

"Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades" - Luís de Camões

"Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades" Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança:  Todo o mundo é composto de mudança,  Tomando sempre novas qualidades.  Continuamente vemos novidades,  Diferentes em tudo da esperança:  Do mal ficam as mágoas na lembrança,  E do bem (se algum houve) as saudades.  O tempo cobre o chão de verde manto,  Que já coberto foi de neve fria,  E em mim converte em choro o doce canto.  E afora este mudar-se cada dia,  Outra mudança faz de mor espanto,  Que não se muda já como soía.  Luís Vaz de Camões, Sonetos