- A criança que fui chora na estrada. I A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou; Mas hoje, vendo que o que sou é nada, Quero ir buscar quem fui onde ficou. Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou A vinda tem a regressão errada. Já não sei de onde vim nem onde estou. De o não saber, minha alma está parada. Se ao menos atingir neste lugar Um alto monte, de onde possa enfim O que esqueci, olhando-o, relembrar, Na ausência, ao menos, saberei de mim, E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar Em mim um pouco de quando era assim. II Dia a dia mudamos para quem Amanhã não veremos. Hora a hora Nosso diverso e sucessivo alguém Desce uma vasta escadaria agora. E uma multidão que desce, sem Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora. Ah, que horrorosa semelhança têm! São um múltiplo mesmo que se ignora. Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo. E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo. Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
ODE A SARAMAGO (Ano do seu Centenário, 1922 – 2022) Foi poeta, sem ser Poeta, Qual escritor inacabado, Se o fosse, José Saramago Estaria na “terra do pecado”. A Poesia é uma arte nobre Entre as artes admissíveis; Mas, sentindo-se como pobre, Ele criou “os poemas possíveis”. A par desta arte poética, Reconhecendo a submestria, Ousou na rima e na métrica “Provavelmente alegria”. P´ los sociais horizontes Sentindo o espírito envolto Narrou seus temas co´ as fontes “Deste mundo e do outro”. P´ las janelas do seu olhar, Mostrando rosto e semblante, Fez, entre escolhos, transitar “A bagagem do viajante”. Nunca estacionou no tempo. Fintando qualquer revês Tratou bem e com talento D´ “o ano de 1993”. Em temáticas especiais, Por delicados fragmentos, Narrou em traços magistrais, Destacando “os apontamentos”. A sua mente era brilhante, Por entre ambientes refulgia, Como um eterno estudante, “Manual de pintura e caligrafia”. Por uma instável nostalgia Com su´ alma fazendo base, Sem tristeza nem a