"Um dia ela percebeu-o."
Percebeu que ele era o avesso dos sonhos que ela tinha construído e que sem mais explicações ele destruiu num abrir e fechar de olhos.
Percebeu que há sonhos que não se ajustam ao que sentimos. Ela percebeu-o sem que alguma vez ele a tenha conhecido. E foi quando se viu sozinha, num mundo demasiado grande para si, que entendeu que sempre vivera no meio de uma multidão que não sabia quem ela era.
Poderia ter sido só mais um dos muitos acasos que não acontecem na vida. Poderia ter sido somente um a encruzilhada em que o destino queria que ela seguisse em frente, e ela hesitou olhando para o lado. Poderia não ser nada, mas ela teimosamente quis que fosse quase tudo. E foi no meio dessa multidão que o olhou como se o futuro já tivesse chegado e o passado nunca tivesse existido. Pegou nessa ilusão e fez daquele sonho a sua razão de existir.
Já se tinha habituado ao que a fazia sofrer, apesar de também saber que merecia mais do que um sofrimento. Por isso hoje, enquanto anoitecia olhou em frente e sorriu para o sol, que ainda brilhante, lhe acenava, antes de se esconder atrás do monte.
À noite, no escuro da sua solidão, ele voltaria. Com a ilusão chegaria de novo a saudade, refrescando-lhe a memória com os passados coloridos, que tinham ficado espalhados pelos os bons momentos vividos.
Ela sentiria o cheiro do corpo dele, aquele perfume que continuava impregnado no quarto, e por alguns instantes ainda tentaria afastar essa ilusão que a continuava a despir. Tentaria fechar os olhos e deixar de sonhar, dizendo a si mesma que esse tempo já não voltava, só que essa era uma luta inglória, as lembranças que guardava dele era mais fortes do que tudo o que queria esquecer.
Ele soube, como mais ninguém, tatuar história de um amor eterno na sua memória e essas vivências são tão fortes que nem rasgando todo o livro a história deixará de existir.
A janela continuava entreaberta, e o vento assobiava lá fora tudo a levava a acreditar que uma tempestade se aproximava.
Estava estendida em cima da cama, apenas com as cuecas e uma t-shirt velha a primeira que tinha encontrado na gaveta. O vento quente calava-lhe o frio que soprava no seu coração. As lágrimas soltavam-se sem que as conseguisse parar. Não sabia se a tempestade que se instalara dentro de si, não seria ainda maior do que a outra tempestade que se aproximava da cidade.
Dentro de si havia um furacão, que uma despedida tinha provocado e ela não sabia como o conseguia parar.
Mas, um adeus nunca será razão suficiente para apagar o sorriso nos lábios de quem vê nos sonhos a possibilidade de abraçar a felicidade.